Passeio noturno. O único
fisiologicamente suportável na zona urbana do médio norte de Goiás. À porta de
um hotel, com restaurante e parquinho para os filhos dos fregueses deixarem os pais
e tios à vontade para gastar com bebidas e comidas (não há mais no que se
gastar na vida noturna da cidade), li um símbolo de neon.
Pensei, parece que o que leio é: “aqui os pobres não entram”. Ledo engano. Porque
logo me lembrei de uma passagem de Gide que acabara de ler durante a tarde,
enquanto suava, esfregando folhas de hortelã pelo corpo para ver se amenizava
os odores vindos dos subterrâneos da carne: “A pobreza do homem é escrava; para
comer, ele aceita um trabalho sem prazer; todo trabalho que não dá alegria é
lamentável”, pensava, e pagava tributos ao escritor universal.
Impossível deixar de notar que em
quase todos os restaurantes e hotéis requintados há sempre pobres que entram e
saem constantemente. Trabalham. E igualmente difícil é deixar de reparar que
suas feições mudam de carranca ou indiferença para satisfação somente quando se
lhes garantimos diretamente a gorjeta. Imagino, com Gide: “Não trabalhes, pois,
se isto te aborrece”. Mas como, Gide, se em casa pode haver aborrecimentos (ainda)
maiores: contas, gás, aluguel, prestações, as coisas que se quer possuir e, por
isso, se precisa conservar?!
E voltei pra casa, pensando em como
é fácil ser livre e quanto é difícil conservar a liberdade. Quem possui, é
possuído! Isto Heráclito já nos ensina quando damos atenção aos antigos: “a
posse possui”. Agora que tomo notas deste passeio, resolvi que é tempo de assentar
o primeiro tijolo no edifício psicológico de uma disciplina, não, de um curso:
História do Trabalho. Ao som do “mestre” Frank Zappa, em Hot Rats (full album, 1968 - disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=fz8FWy-rX6g) e ao lado do grande mestre André Gide, rabisco
as primeiras notas que meus alunos do 4º ano e meus colegas certamente me
ajudarão desdobrar:
a) para cada um deve haver a ociosidade: “sem a qual não pode florescer nenhuma novidade, nenhum vício, nenhuma arte” & b) dificilmente as pessoas honestas são reconhecidas como pessoa no trabalho: “Como as profissões honestas embrutecem” (O Imoralista, 1958: p. 159, §2 & p. 163).
a) para cada um deve haver a ociosidade: “sem a qual não pode florescer nenhuma novidade, nenhum vício, nenhuma arte” & b) dificilmente as pessoas honestas são reconhecidas como pessoa no trabalho: “Como as profissões honestas embrutecem” (O Imoralista, 1958: p. 159, §2 & p. 163).
Eis aí a “obra da vida”,
embrutecer quem trabalha honestamente para viver as várias vidas que escolhe ou
que são escolhidas para se viver ao longo de uma única existência. Certamente há
os que saboreiam as recompensas do trabalho e do embrutecimento, mas estes são
os outros desse mesmo caso, os poucos que vivem da fadiga alheia.
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